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Bruma Luminosíssima


I


No dia em que a essência sagrada

das coisas se quebra

olhas a chuva nas flores das magnólias

e a morte

principia sobre ti o seu trabalho


II


Trémulas raízes da chuva

desvendando

num murmúrio

que a si mesmo se dissipa

o sopro desmedido

de um apelo inominável


III


Desconheces as palavras

para oferecer em holocausto

privado que te encontras

de outra língua

procedes ao abate de todas as árvores


IV


Perante os impercetíveis indícios

de uma presença longínqua

recuamos e ardemos

silenciosos e indecifráveis como um voto


V


O dia elevando-se

como o relato de um acontecimento

o desvio de uma pedra tumular

a desaparição de um corpo

restituindo

no rumor de uma penumbra

uma outra legibilidade do mundo


VI


Despojado de tudo o que foste

coincides

com um propósito muito antigo

a vida

reencontrada em lugares inesperados



Luís Falcão (Lisboa 1975-2015) Licenciou-se em argumento cinematográfico na Escola Superior de Teatro e Cinema em Lisboa, onde posteriormente seria professor. Também foi professor na Escola Superior de Tecnologia de Abrantes. Doutor em Ciências da Comunicação na Universidad Complutense de Madrid, foi argumentista e poeta. Em 2007 publicou Pétalas Negras Ardem nos teus Olhos, pela Assírio & Alvim. Em 2016 o livro póstumo Bruma Luminosíssima pela Artefacto editora.

via: https://tr3sreinos.com/autores-em-portugues/luis-falcao/

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